Qualidade Vivida

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Dia Mundial da Esclerose Múltipla

A liberdade é a filha caçula do desejo com a necessidade
Claudia Barbeito

Ontem eu assisti no programa Conversa com Bial pesquisadores discutindo a inclusão de drogas ou como eles estão chamando: substâncias recreacionais, no tratamento de doenças crônicas. Recentemente participei de uma pesquisa para falar um pouco da ação da EM em mim e confesso que fiquei bem animada com a possibilidade de tratá-la com o canabidiol. Uma das sequelas que tenho é a depressão e a trato com uma substância que causa dependência voraz. Sempre que tento retirá-la é um sofrimento com a abstinência. Minha memória e cognição também foram afetadas, além da visão e da fadiga, que sempre foram as minhas maiores queixas. Resumindo: se eu puder entrar em um programa, de contexto médico, que minimize essas questões que interferem no meu cotidiano, eu mergulho de cabeça. 
Sempre falei que a EM salvou a minha vida. E repito quantas vezes forem necessárias. Digo isso porque antes dela tinha uma vida desregrada e trabalhava sem trégua. Ela veio e me colocou nos trilhos. Hoje, tenho uma rotina saudável,  e aprendi a conviver com as minhas limitações. Fiz as pazes comigo e aprendi a ser mais generosa com as minhas dificuldades. Se antes era difícil lidar comigo por conta do meu temperamento, hoje, depois de calçar a "sandália da humildade", eu me tornei uma pessoa empática. 
Por que eu digo que a liberdade é filha caçula? Porque em mim ela nasceu por último. Primeiro veio o Amor, depois a Fraternidade e por fim a Liberdade. Os três são frutos do encontro entre o desejo e a necessidade. Todos nós somos desejosos de amor, de convivência fraterna e de liberdade, mas sem a necessidade de te-los em nossas vidas, eles ficam inviáveis. A minha caçula - Liberdade - nasceu depois do diagnóstico da EM. Paradoxo? Talvez. Mas o fato de eu ter que me priorizar, olhar para mim com carinho e planejar a minha vida para que ela aconteça de forma saudável, apesar da EM, me colocou na vida de forma mais suave e responsável, viabilizando vivências de liberdade - a última delas foi uma caminhada de 800 Km, onde atravessei a Espanha andando. 
Portanto, hoje é dia de comemorar os avanços que a ciência está dando em nossa direção.
Por um mundo mais respeitoso com as diferenças!

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Sobre margens e limites

"O que nos dá coragem
não é o mar nem o abismo
É a margem, o limite e sua negação"
Nelson Neto - A vida por outros caminhos

Como retornar à casa interna se dentro de mim já mudei de endereço?
Como chegar em um endereço que eu não sei exatamente aonde fica?
Voltei de uma viagem que me colocou de cara comigo mesma. Depois de percorrer o Caminho de Santiago, saindo de Saint Jean Pied de Port, no sudoeste da França, concluí que é preciso muito amor próprio para seguir por 34 dias ininterruptos caminhando em sua única companhia, durante a maior parte do tempo. Precisei superar os meus limites várias vezes e tantas outras eu me reinventei. Saia para caminhar pela manhã com uma alegria absurda e, quase sempre, no meio do percurso eu brigava comigo mesma - teve uma moça que cruzou comigo algumas vezes e me via conversando. Um dia, ela me falou: "gosto de ver como você fala sozinha". E eu disse; "Não falo sozinha. Falo comigo mesma." Ela riu. Sei lá se entendeu... Travei tantos diálogos comigo que se eu tivesse gravado cada um deles não teria memória no celular para mais nada! Voltei para onde eu nunca estive porque aquela que chegou não era mais a mesma Claudinha que saiu. Aliás, não era nem mais Claudinha! Saí Claudinha e voltei Cacau. E quando alguém gritava: Carioca! Eu respondia: Carioca não, Cacau! E é assim que me identifico hoje, como o fruto: se não há poda chego a medir até 20 metros de altura! Fico gigante. Porém, inacessível! Viver com o outro implica em ter que fazer podas internas. Voltei podada por mim mesma para estar com o outro ainda mais plena. E se o fruto pode ser picante - e eu sou mesmo - quando misturado com leite ele fica doce e muito saboroso! Outra coisa interessante é que vivo melhor na floresta e com chuva. E se é para misturar, que seja triturada, moída, transformada para que assim eu possa ser [des]frutada - fruta modificada! 
Bem, se eu não sei exatamente para onde ir, hoje eu sei exatamente para onde não quero ir. Isso é demais! E se retorno diferente, faço desse lugar que me acolhe um novo lugar. Ninguém chega impune do Caminho de Santiago! Voltei fruta transformada, para a minha família. E como todos por aqui são formigas, estão curtindo muito essa nova pessoa que se apresenta diante deles! Imaginem quantas receitas eu posso gerar...
Obrigada, Caminho! Chegar ao fim é realmente apenas o início de um ciclo. Comecei a me redescobrir! E se antes eu me recusei de mim algumas vezes, agora eu me acolho e aceito porque só assim eu consigo ser quem eu me proponho ser: parceira e corajosa! Meus limites e margens só eu consigo ultrapassar - ninguém é capaz de fazer isso por mim - Graças a Deus! Ah... Graças a Deus cruzei com Ele várias vezes e consegui reconhece-Lo! 
O meu templo? Fica logo ali, onde habita uma árvore - sim, eu abracei várias árvores ao longo do caminho...