Qualidade Vivida

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Sobre margens e limites

"O que nos dá coragem
não é o mar nem o abismo
É a margem, o limite e sua negação"
Nelson Neto - A vida por outros caminhos

Como retornar à casa interna se dentro de mim já mudei de endereço?
Como chegar em um endereço que eu não sei exatamente aonde fica?
Voltei de uma viagem que me colocou de cara comigo mesma. Depois de percorrer o Caminho de Santiago, saindo de Saint Jean Pied de Port, no sudoeste da França, concluí que é preciso muito amor próprio para seguir por 34 dias ininterruptos caminhando em sua única companhia, durante a maior parte do tempo. Precisei superar os meus limites várias vezes e tantas outras eu me reinventei. Saia para caminhar pela manhã com uma alegria absurda e, quase sempre, no meio do percurso eu brigava comigo mesma - teve uma moça que cruzou comigo algumas vezes e me via conversando. Um dia, ela me falou: "gosto de ver como você fala sozinha". E eu disse; "Não falo sozinha. Falo comigo mesma." Ela riu. Sei lá se entendeu... Travei tantos diálogos comigo que se eu tivesse gravado cada um deles não teria memória no celular para mais nada! Voltei para onde eu nunca estive porque aquela que chegou não era mais a mesma Claudinha que saiu. Aliás, não era nem mais Claudinha! Saí Claudinha e voltei Cacau. E quando alguém gritava: Carioca! Eu respondia: Carioca não, Cacau! E é assim que me identifico hoje, como o fruto: se não há poda chego a medir até 20 metros de altura! Fico gigante. Porém, inacessível! Viver com o outro implica em ter que fazer podas internas. Voltei podada por mim mesma para estar com o outro ainda mais plena. E se o fruto pode ser picante - e eu sou mesmo - quando misturado com leite ele fica doce e muito saboroso! Outra coisa interessante é que vivo melhor na floresta e com chuva. E se é para misturar, que seja triturada, moída, transformada para que assim eu possa ser [des]frutada - fruta modificada! 
Bem, se eu não sei exatamente para onde ir, hoje eu sei exatamente para onde não quero ir. Isso é demais! E se retorno diferente, faço desse lugar que me acolhe um novo lugar. Ninguém chega impune do Caminho de Santiago! Voltei fruta transformada, para a minha família. E como todos por aqui são formigas, estão curtindo muito essa nova pessoa que se apresenta diante deles! Imaginem quantas receitas eu posso gerar...
Obrigada, Caminho! Chegar ao fim é realmente apenas o início de um ciclo. Comecei a me redescobrir! E se antes eu me recusei de mim algumas vezes, agora eu me acolho e aceito porque só assim eu consigo ser quem eu me proponho ser: parceira e corajosa! Meus limites e margens só eu consigo ultrapassar - ninguém é capaz de fazer isso por mim - Graças a Deus! Ah... Graças a Deus cruzei com Ele várias vezes e consegui reconhece-Lo! 
O meu templo? Fica logo ali, onde habita uma árvore - sim, eu abracei várias árvores ao longo do caminho...


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