Qualidade Vivida

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Eternidade

Muitas questões me inquietam... a felicidade, o amor, o bem... Elas passeiam em mim, ao longo do tempo, sem deixar marcas aparentes. A falta de compromisso acadêmico me traz hoje uma leveza para tratar dos temas. Geralmente destaco quatro filósofos - não por acaso - Platão, Agostinho, Espinosa e Nietzsche para relacionar ou apenas falar delas. Hoje, trago aqui um termo que é sinônimo tanto no significado como no sentido, em Agostinho e em Espinosa. Pois é... Dois filósofos que trilharam suas indagações filosóficas por caminhos tão diferentes se esbarram em uma palavra tão forte: Beatitude!
No latim, beatitude (beatitudo) é um adjetivo que significa "feliz, "sorte" ou "bem-aventurado", mas Agostinho e Espinosa a colocam para além de um estado, ela passa a ser uma forma de conhecimento, problematizada pela própria condição humana. Em "Cidade de Deus", Agostinho diz que "o homem não tem razão para filosofar, exceto para atingir a felicidade". Ele formulou uma teoria dogmática do conhecimento, enquanto Espinosa formulou uma teoria científica do conhecimento - escrita a maneira dos geômetras. Mesmo que por vias de conhecimento opostas, ambos tratam do termo "beatitude" como ato de intuição. 
Se por um lado Agostinho se propôs atingir, pela fé nas Escrituras, o entendimento daquilo que elas ensinam, colocando a fé como via de acesso à verdade eterna, por outro lado ele sustentou que a fé é precedida pelo trabalho da razão.
     
        "É necessário compreender para crer e crer para compreender"
 (Intellige ut credas, crede ut intelligas).

Espinosa, por sua vez, afirma que o terceiro e mais perfeito gênero de conhecimento - a felicidade/beatitude/intuição - só é possível de se vivenciar pelo exercício da razão, posto que somos seres racionais, evidentemente, muito embora ela, por si, não dê conta da vivência da felicidade. É uma espécie de transbordamento da razão; o terceiro gênero está nela, embora para além dela, uma vez que somos parte da potência que se manifesta criando, sendo criada e sofrendo as suas transformações em si mesma. 

"O esforço supremo da mente e sua virtude suprema consistem em compreender as coisas através do terceiro gênero do conhecimento" (Ética 5, Prop. XXV)


Agostinho defendeu que é possível alcançar a "verdade eterna" através da fé. Isso foi experimentado por ele através do exercício da razão. É na compreensão da verdade eterna que o homem encontra a felicidade. Ele afirma ainda, no diálogo "Contra os Acadêmicos" que os sentidos são fonte de verdade:

O erro...provém dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas próprias. A sensação enquanto tal jamais é falsa. Falso é querer ver nela a expressão de uma verdade externa ao próprio sujeito.

Espinosa defendeu que no terceiro gênero de conhecimento o ser humano é capaz de ver as coisas da perspectiva da eternidade uma vez que somos parte da potência de Deus. Como parte da potência divina somos deus, inclusive, no que diz respeito ao conhecimento que podemos ter da essência das coisas. É este conhecimento que ao se dá nos faz vivenciar a eternidade. 
Embora Espinosa chame o conhecimento de primeiro gênero de experiência vaga - aqueles que se dão através dos sentidos - ao mergulharmos na fala de Agostinho quanto aos juízos que se fazem sobre as sensações, podemos entender que no acesso produzido pelos sentidos, livres do juízo de valor que fazemos dele, ao elaborarmos as sensações pelos critérios da razão (segundo gênero) as experimentamos produzidas em nós, sem julgamento de valor, tal e qual ela é - parte entre partes, da potência produzida pelos afetos capazes de aumentar a nossa ação no mundo.

Ou seja, tudo isso, para dizer a vocês que as minhas inquietações filosóficas chegam ao absurdo de encontrar proximidade no pensamento de Agostinho e Espinosa. O fato é que para ambos felicidade e intuição são sinônimos de beatitude. Por vias diferentes... eternamente diferentes... Será?





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